Sete horas e trinta e oito minutos de segunda feira. Um novo dia de trabalho me espera, eu espero. Tenho a pressa urbana que aprendi desde cedo: saio de casa ainda penteando o cabelo com um pente de bolso e arrastando uma maleta como se fosse uma bola de ferro. Hoje, como tantas vezes, nem deu tempo de tomar o desjejum com Patrícia e as crianças: perdi a hora e preciso vencer a distância antes do trânsito se tornar o inferno.
Trabalho aqui, tenho certeza. Cheguei há menos de dez minutos, tenho de subir ao décimo quinto andar antes das oito. Nesse intervalo estreito eu pedi um pingado com pão com manteiga e fiquei namorando o último pastel de queijo na vitrina térmica e sonhando com outros dias, outras emoções. Valérias, Renatas e Janices que não verei nunca mais.
Foi quando ele apareceu, você o viu, não adianta negar. Eu vi quando você o espantou com um palavrão, e naquele momento eu até tive pena do imbecil. Não consigo me lembrar direito do seu rosto, talvez porque não quis erguer a cabeça e encarar seus olhos: lembro-me mais de sua barriga, e veja lá que forma absurda de se lembrar um homem. Ele chegou por trás de mim, quase silenciosamente, interrompendo meu minuto matinal de desconcentração. Quando percebi, estava ao meu lado, vestindo uma calça jeans surrada e um moletom cinzento. A barriga, ligeiramente protuberante, e o suor mal perceptível sugeriam uma vida de razoável conforto. No máximo um cara que atravessara a noite, uma alma perdida na segunda feira.
— Você poderia me pagar um pastel de queijo, amigo?
Seu pedido interrompeu meus devaneios, e isso sempre me irrita. Era como se a sua presença me intimasse a subir para o décimo quinto andar, eis que a hora chegava, preparar a mesa e começar o dia. Minutos exíguos de relaxo definitivamente terminados.
— Não lhe pagarei nada, camarada! Volta para casa!
Foi nesse momento que você o expulsou, como se ele fosse um incômodo antigo, eu arranquei do bolso três notas de dois reais e paguei a minha conta. Havia, sim, uma maleta comigo, preta, de couro, leve pois só continha poucos papéis, cartões de visita, agenda, calculadora científica e outras coisas leves.
Mas então… Para onde foi o pedinte? Ficou misterioso agora, de repente há coisas que parecem vistas através da cerração desta manhã de inverno. Uma cerração que não sobe, e já são quase oito horas. Eu devia subir por algum lugar, mas não tenho crachá que me permita atravessar o portão de ferro, esqueci o meu em casa, esqueci a casa em algum lugar, onde estou eu mesmo agora, quem sou sem a maleta e o crachá e a mesa com janela para o Parque Municipal?
Ele disse alguma coisa antes de sair, eu juro. Aquela mulher ouviu, ela riu, ela o conheceu, ela zombou de sua ira dizendo alguma coisa sobre impossibilidade quântica! Essa gente da Universidade, às vezes, traz para a rua suas discussões de coisas que não se entende. Eu sei, seira estúpido esperar que um dono de bar retivesse palavras que estão além da compreensão até mesmo deste engenheiro. Não se ofenda: eu não entenderia nada de sua conversa com os cozinheiros, que de cozinha eu só me lembro de fritar ovo e fazer café. Cada um na sua, a vida segura e saudável deveria ser assim: eu na minha mesa, você me vendendo um pingado com pão e manteiga, a moça da universidade zombando de um pedinte que usava moletom cinzento.
Mas agora tudo está borrado, a moça foi embora sem sair, tenho fome como se nunca tivesse comido nenhum pão, você me olha com essa expressão de enfado e eu tenho vergonha de pedir ao gordo professor, com óculos pesados de sabedoria, que me ceda pelo menos esse pastel barato para matar a minha fome, ou não posso voltar para casa, trôpego que estou, para rever Patrícia e reconectar as pontas soltas desta segunda feira que de repente redemoinhou em torno de mim e me fez cair.
— Não lhe pagarei nada, amigo! Volta para casa!
De repente um frio sai da neblina e penetra em mim. Começo a esquecer coisas, lembrar de outras. A frase que o pedinte dissera: será possível mesmo viajar no tempo? Não me expulse ainda, Juca, eu preciso perguntar a esse imbecil se ele falava em sério! Preciso saber se esse pesadelo aconteceu, se alguém me espera…
Sozinho e humilhado, na calçada, vejo passarem sombras cada vez mais vagas de rostos que foram meus colegas de trabalho. O homem gordo paga sua conta e atravessa a rua em sua vida roubada. Antes de entrar pelo portão sul da Universidade ele me olha com uma expressão maligna e dá dois tapas em uma maleta de couro preto, mas a essa altura eu não entendo mais o que isto significa, só sei que preciso pegar um ônibus de volta ao subúrbio, e esperar sem esperança que eu ainda tenha o meu emprego.