Os piores presentes que alguém poderia lhe dar incluem uma gravata, se você, como eu, não tem o hábito de usar, meias, que sempre serão menores que o necessário, caso sejam presenteadas, e também aqueles agasalhos de lã feitos em casa por uma de suas tias, sempre empregando duas cores absolutamente discordantes. Bem, minto. Há um presente pior que qualquer destes: canetas.
Tentarei explicar.
Canetas não são muito úteis hoje em dia, em que as pessoas normalmente escrevem mais em teclados ou superfícies sensíveis ao toque dos dedos. Por causa disso, ganhar uma caneta é algo como ganhar uma carruagem, uma espada ou um penico. Por mais beleza que a peça tenha e por mais que você saiba para que serve, dificilmente a utilizará com frequência. Talvez por isso os que dão canetas de presente gostam de personalizá-las: no fundo sabem que o presente é inútil, então tentam chantagear-nos com a gravação de nossos nomes, para que não tenhamos coragem de transferir o mimo a outrem e nem de descartá-lo. É como se dissessem: “você não terá coragem de se desfazer desse elefante branco, porque eu tatuei seu nome na pele dele”.
Em geral canetas são dadas a quem pensamos que seja culto, geek, intelectual, algo assim. Em geral este é o tipo de gente que menos usará uma caneta. Pessoas cultas não se importam com que escrevem, mas com o que escrevem (e somente elas entenderão a diferença). Geeks em geral não carregam canetas, mas smartphones ou tabletes. E os intelectuais em geral não creem que uma caneta específica seja especial.
Além do mais, canetas são fáceis de perder. E quanto mais culto, geek ou intelectual alguém seja, com mais facilidade ainda as perderá. Tudo o que é preciso para perder uma caneta é possuir uma. Basta um instante de distração e ela pode rolar para dentro de uma greta, cair de sua mesa ou migrar misteriosamente para um bolso alheio.
O nome gravado é uma simpatia contra esse fenômeno sobrenatural, mas é também uma expressão da falta de solidariedade humana: por causa dele ninguém se voluntariará para compartilhar a sua desgraça. Mesmo que você a esqueça em algum lugar, algum pervertido a encontrará e tentará devolver-lhe, e nesse caso a sua melhor sorte é possuir um nome comum, pois assim poderá negar a propriedade e transferi-la para um seu xará.
Pior que isso: canetas atraem outras canetas. Descobri esse fenômeno ao observar que a gaveta de uma colega de trabalho reunia uma impressionante coleção delas, contendo mais de trinta exemplares, todos migrados de outras mesas e bolsos. Aplica-se a lei da gravidade: caneta atrai caneta na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado da distância. Se o equilíbrio do escritório for afetado pela presença de uma caneta “chique”, dessas personalizadas, com corpo de metal, esta passará a atrair outras canetas. Quem ganha uma caneta sempre ganhará outras canetas posteriormente e formará uma coleção, até que as tintas sequem e se tornem todas inúteis, mas ainda com o seu nome gravado.
Canetas são também baratas, a não ser que estejamos a falar de uma Mont Blanc ou de alguma outra especial, feita de um metal nobre (ouro, titânio, vanádio, platina, prata, vibrânio, adamântio ou inobtânio), possivelmente cravejadas de pedras (que automaticamente ficam menos preciosas). Quer dar de presente uma coisa que é barata mas passa uma sensação de “chique”? Dê uma caneta de presente ao infeliz. Pelo menos você achará que deu um bom presente. Já é suficiente, não é?
Finalmente, além de pouco úteis em geral, a maioria das canetas dadas de presente são inúteis até mesmo para quem ainda emprega o pronome vós e prefere escrever à mão. Canetas personalizadas parecem planejadas para o desconforto, são difíceis de recarregar (se é que se pode recarregá-las) e mais fáceis de perder (por rolarem de forma ainda mais fácil que as simples).
Se algum dia quiser presentear alguém com uma caneta, dê-lhe uma dessas que dão choque. Pelo menos terá a desculpa de que foi só uma peça que quis pregar. E quando a vítima gritar com a mini-descarga elétrica, diga “surpresa” e lhe dê o presente de verdade, que você mantinha escondido em algum lugar.
Talvez este seja o último uso digno da caneta como um presente.