Talvez por insegurança, ou por algum traço cultural que eu ainda não mapeei, o brasileiro tem uma necessidade curiosa de enfatizar o tamanho ou a qualidade de tudo o que vê, especialmente do que possui.
O Brasil é um país onde não se compra manteiga que não seja “de primeira qualidade”, nem arroz tipo 2, nem carne de segunda ou de terceira (eliminou-se a distinção antiga). Onde qualquer vendinha se chama “supermercado” e um estabelecimento sem filiais se chama “Lojas Fulano”. Onde qualquer calhambeque será chamado pelo dono de “possante”. O país onde a cerveja deve estar “estupidamente gelada” e todo mundo acha que você está deprimido ou ferrado na vida se não responder a um protocolar “como vai” com uma expressão abaixo de “muito bem”.
Na língua falada isso se transfere a hábitos engraçados, como a popularidade dos aumentativos. Todo fã de futebol acha que seu time é algum “ão”. Os casais de namorados agora abandonaram os diminutivos afetivos de outrora e querem trovões. Ai de quem chamar a amada de “gatinha.” Vai parecer piegas e com cheiro de patchuli, algo como os anos sessenta do século passado, que foi em outro milênio. Hoje é preciso chamar de “queridona”, “gatona”, “amorzão” ou coisas assim.
Falar se transformou numa competição para ver quem concebe o que seja maior.
O português brasileiro é a única língua do mundo que concebe o duplo aumentativo: “muito gostosão”, “amigãozão” (olha só, o corretor ortográfico nem assinalou essa palavra!).
Adjetivos como “super”, “mega”, “híper”, “ultra” e outros são praticamente obrigatórios em qualquer elogio. No país do “bonitinho é feio arrumadinho” torna-se necessário elogiar o serviço do lanterneiro usando uma linguagem que no passado se usava para puxar o saco de reis e ditadores. “O serviço ficou super bem feito, Você é um cara megacompetente, Janjão.” Janjão se sente um ditador de republiqueta.
Dá até medo de pensar como teremos que adular possíveis futuros ditadores, já que o suprassumo do puxa-saquismo clássico nós já gastamos para elogiar um feirante que nos vendeu uma dúzia de laranjas azedas.
Com o tempo esse hábito leva ao deslumbramento. E o deslumbramento é o pai (e também a mãe) do desperdício e do atraso. Um conhecido meu, arquiteto e nativo do Rio de Janeiro, um dia me disse que o seu maior espanto profissional na vida foi ver um posto de gasolina com piso em mármore de Carrara. “Aquele negócio é nojento. Mármore é poroso, cara. Vai cair gasolina, vai cair óleo, vai cair barro do pneu da picape que vem abastecer, vai manchar aquele mármore lindo e vai fazer apodrecer por dentro até esfarelar. Mas, fazer o que? O cara era podre de rico e não admitia usar na obra nada que não fosse de primeira qualidade. Qual é o piso mais caro do mundo? Mármore de Carrara? Então quero isso.”
Era de se esperar que os escritores pairassem um pouco acima desse pântano de mediocridade laudatória, mas na vida, como na arte (ou será o contrário), podemos citar o filósofo Falcão e dizer que a maior parte das pessoas é apenas a grande maioria. O autor, em geral, padece dos mesmos defeitos do povo a que pertence. E aquele que não os ostente será, ele, visto como o desviante, o estranho.
Nossos autores querem chamar vendinha de supermercado. Querem chamar de megaliquidação quando a lojinha da esquina dá 10% de desconto nas calças jeans. Querem livros “de alto padrão de qualidade” material, antes mesmo de chegarem a isso pelo conteúdo.
O autor brasileiro ainda não sabe se está construindo um museu, um palácio, um puteiro ou uma oficina mecânica. Seja lá o que for que esteja construindo, quer o mármore de Carrara.
Por que digo isso? Porque você não vê no Brasil livros de capa mole, revista em papel-jornal. Ainda nos anos oitenta, a minha tia comprou durante uma viagem ao exterior alguns exemplares da revista “Time”. Eles me causaram grande choque porque eu vi que eram impressos em papel-jornal apenas ligeiramente tratado para clarear. Aqui no Brasil as revistas eram feitas em papel mármore (Veja) ou em couché fino (Visão), ou coisa parecida – ambos muito mais caros.
As editoras ajudam a manter isso, mas elas não são culpadas. Elas estão atendendo ao gosto brega e superficial de uma maioria que usa livro para enfeitar estante e vai encarar com preconceito uma edição “pobre”. O livro sai mais caro para atender a esse público “exigente”, a tiragem fica menor e o alcance se restringe. Poderiam fazer duas edições, mas seria duplo trabalho. Duas tiragens para administrar, dois possíveis encalhes, a necessidade de dimensionar quantos exemplares de cada. E como lidar com a necessidade do exclusivo?
O Brasil também é um país onde os produtos que alcançam as classes mais pobres perdem status, logo são “barateados” ainda mais e se tornam produtos “de pobre”. As altas classes não querem consumir os mesmos produtos das classes baixas. A diferença é que, no Brasil, classe alta não se refere a uma minoria de esnobes, mas a todo mundo que “acha” que deixou de ser pobre e precisa de status.
Queremos status, pagamos por ele. Pagamos por superlativos que façam nossas vidas medíocres parecerem grandes.
Todo gol do nosso time é um golaço.