Ninguém está livre de ter seus preconceitos, feio é tê-los e não entendê-los. Uma vez que a gente se vê no espelho e descobre o que é verdade ou não, cabe-nos decidir se lutamos contra o preconceito ou se o adotamos como bandeira. Fiz este exame ao longo dos últimos anos e decidi que eu tenho alguns graves e deliciosos preconceitos, nem todos destinados à superação. Eis a lista.
Autor nacional com pseudônimo estrangeiro.
Não estou falando, obviamente, de filhos de imigrantes, que de certa forma conquistam esse direito, mas mesmo assim, olhe lá… Falo de alguém mais brasileiro que café com leite que resolve assinar suas obras como Bryan Snow. Fica feio, cara. Fica feio. Além de, muitas vezes, esses autores grafarem errado prenome ou sobrenome, ainda passa recibo de colonizado porque geralmente quem toma a iniciativa de fazer isso também imita a literatura ianque de um jeito servil.
Ah, mas Malba Tahan se chamava Júlio César de Melo e Silva, etc. Realmente, esta exceção me desmente. Afinal, um bom autor como ele resolveu imitar os nomes e a cultura da potência hegemônica da época, cujos filmes e música eram pressionados sobre nós o tempo todo.
Livro grosso demais
Qualquer livro mais grosso que a Bíblia carece de muito tutano para se sustentar. Não nasce um Dostoiévski todo ano e eu nunca consegui ler aquele do Proust (me crucifiquem de cabeça para baixo!). Certo que tamanho e qualidade não se relacionam, mas tem muita gente que acrescenta páginas achando que acrescenta algo a mais.
Parte do fetiche do tamanho se relaciona com o fetiche da quantidade: há gente que idolatra R. F. Luchetti e Ryoki Inoue porque escreveram centenas de livros, não porque realmente gostem ou valorizem seu trabalho.
Autores prolíficos demais
Admiro quem escreve muito — e eu mesmo escrevo que é uma enormidade, — mas tenho minhas dúvidas se um autor que desova um romance cada quinze dias está realmente contribuindo alguma coisa de boa para a humanidade.
Tenho para mim que um ritmo “industrial” de produção prejudica a reflexão do autor sobre a qualidade do texto e até mesmo sobre a qualidade dos temas e das tramas. Autores prolíficos demais costumam recorrer a esquemas predeterminados, produzindo histórias que seguem padrões previsíveis. Corín Tellado era uma dessas e o próprio Ryoki Inoue admite que tinha disso.
Acontece que, se já é difícil fazer algo novo e bom em um mundo onde tanto já foi feito, imagina o quão difícil é se você abdicar da tentiva em prol do ritmo de produção?
Literatura erótica
Para mim o espaço do erotismo na literatura é bem restrito. Não penso isso por puritanismo, mas por verificar que a maioria dos que escrevem sobre parece não ter muita prática no assunto. Para que a literatura erótica seja interessante ela não pode se resumir a pornografia, é preciso que tenha alguma sacada genuína, que mostra que o autor esteve lá e pescou um lado diferente, que pouca gente conhece.
De outra forma, a literatura erótica é boçal. Assim como não há literatura em se narrar exaustivamente os golpes desferidos por um bandido contra uma vítima, explicando os danos e as dores, tampouco há literatura em se narrar exaustivamente a penetração e as fricções de dois amantes, explicando as sensações e os sentimentos. Existe literatura apenas naquilo que seria mais interessante que um artigo da Wikipédia.
Escrita da internet
Não me refiro a obras publicadas na internet, mas a obras escritas na linguagem tosca e despojada que se costuma usar nos bate-papos da internet, desde os velhos tempos das salas de bate-papo.
Esta opinião não deriva de mero purismo, mas do fato de que as pessoas que escrevem exclusivamente assim estão imersas de tal maneira nos maneirismos do virtual que perderam o contato com os aspectos do real.
Digo que é um “preconceito” porque reflete a minha preferência de alguém que foi educado para a leitura no tempo em que as obras precisavam ser desafiadoras e empregar técnica.
Capas com gente pelada (ou quase)
Essa opinião se relaciona com a ideia que tenho da literatura erótica. Capas com peitos peludos ou pelados, mamilos, virilhas, nádegas e outros itens da anatomia humana me parecem apelativas. Eu não vou ler a sua história por causa de uma figura peituda na capa. Eu não espero encontrar nas suas páginas o que fica além da borda da calcinha.
Esse tipo de apelo funcionava antigamente, quando os rapazes recortavam propagandas de sutiã das revistas femininas e carregavam na carteira para se masturbarem no banheiro. Hoje em dia isso é um clichê besta. E eu, mais besta que tudo, penso em ler um livro por causa do seu conteúdo, não para satisfazer uma punhetagem frustrada.