A barata é uma criatura que testa a engenhosidade do ser humano, mas também os seus dotes marciais. Nada é mais revelador do caráter de um homem do que o inesperado encontro com uma cascuda voadora a zumbir no escuro. Deve ser por isso que H. P. Lovecraft escreveu que o título original do Necronomicon era Al Azif, supostamente “o zumbido”. Uma barata voadora no escuro é uma ameaçada alada à masculinidade de qualquer barbado fã de death metal escandinavo.
Agora há pouco tive um encontro desses que separam os homens dos meninos. Tive alguma sorte, mas não diria que a minha honra restou intacta.
Chego para almoçar e vou ao banheiro para tirar a proverbial água do joelho quando ouço o estalar e o zumbir que faziam os pelos dos povos antigos eriçarem no escuro, em lugares desertos. Viro-me, com a agilidade de Bruce Lee e a bicha está na parede, abrindo as asas, pronta para voar e espargir seu terror.
Olho em volta, não tenho inseticida. Olho para baixo, estou calçando botinas sob a calça jeans.
A barata ameaça voar e pousa na porta do banheiro, à meia altura desta, ainda com as asas semiabertas.
Nesse momento de tensão, em que os olhinhos compostos da Besta Primordial me encaram sem encarar, o meu corpo raciocina antes de meu cérebro e me impele a um gesto de que eu jamais me imaginara capaz. Não, não gritei como uma menininha. Do alto de meus cento e dez quilos e de meu protuberante “pânceps” eu me ponho de lado e tento acertar a barata com um golpe de kung fu.
Pare um momento a leitura e tente imaginar a cena.
Um homem, brasileiro, branco, cis, de classe média, algo acima do peso, casado, proprietário de um carro compacto, pai de duas meninas, vizinho de um terreno baldio, escritor de má literatura.
Esse homem, que jamais aprendeu a pular corda e que já não é capaz de correr um quilômetro sem perder os sentidos, no desespero do duelo com a barata, recorre ao mais improvável dos recursos. Ao recurso que, excelentemente, não tinha. Que Bruce Lee e todos os seus antepassados me perdoem, mas eu tentei acertar a barata com a sola de meu pé direito, em um golpe que faria rir a um aluno do Mestre Betinho no primeiro dia de aula.
Acertei a porta com um estrondo, assustando a casa toda. A miserenta da barata fechou as asas, caiu ao chão e escapou debaixo da porta, com a sua dignidade intacta. Nos estalinhos dela eu podia, quase, ouvir risadinhas demoníacas. Al Azif.
Nem as meninas acreditaram quando lhes contei, orgulhoso, que consegui executar um “perfeito” golpe de kung fu, talvez inventando o estilo “cucaracha”.
A sorte do homem branco cis, hétero e de classe média é que o banheiro é um dos últimos bastiões de privacidade nesse mundo. Pena que não é a prova de som.
Blam!
Em algum lugar do inferno das baratas há uma cascuda contando ao Satã dos insetos que um barrigudo metido a besta tentou acertá-la com uma espécie de rabo-de-arraia.