Gosto de ver quando tantos jovens ofendidos desancam aqueles que criticam os estudos de literatura. Em geral jovens universitários que cursam essas maerias e que sentem a água bater na bunda quando a validade de seus diplomas é posta em questão.
Mas eu gostaria mais se esses mesmos revoltados reconhecessem uma obviedade: essas ideias de negação do valor da crítica não nasceram no ar, elas descendem de outras ideias que existem há muito tempo e que são normalmente aceitas como inofensivas.
Refiro-me ao relativismo.
Quando alguém diz que “a obra se basta em si mesma” ou que “já está tudo ali e não há nada mais a dizer” ele não se baseia somente na própria ignorância — ele está subindo nos ombros de todos vocês que defendem uma “literatura de entretenimento” e que acham que não há nada de mal em “reconhecer o valor” de autores reconhecidamente rasos (não vou citar nomes para não desviar o debate, mas considere que eu estou ofendendo exatamente o seu autor favorito e parta desse pressuposto).
Não se chega a esse píncaro de estupidez pelo próprio esforço, quem está lá em cima pontificando foi empurrado até lá por todo mundo que acredita que se o garoto está lendo algo impresso e encadernado, então é preconceituoso abordar a qualidade dessa leitura; que as pessoas têm o “direito” de ler o que quiserem sem ser questionadas.
Infelizmente, a grande maioria das pessoas é do tipo que serra o galho da árvore em que está sentado e protesta contra a falta de uma rede de segurança quando se estabaca no chão.
Ora, se é legítimo ler um autor raso e que nada pesquisa, nada acrescenta e nada questiona. Se tal leitura deve ser posta em pé de igualdade com o livro mais curioso e elaborado, que requereu a experiência de uma vida, então por que quem defende essa tese se revolta quando alguém vem dizer que 99% das teses sobre literatura são inúteis?
Vocês deveriam concordar com ele. Afinal, a percepção da inutilidade da teoria literária é filha da ideia de que o livro deve ser simples e irmã da teoria de que tanto faz ler este livro ou aquele.
Não quero dizer que não se possa fazer boa pesquisa sobre maus livros (vão me acusar disso os que não leram até aqui), mas que justamente a relativização da qualidade dos livros leva à percepção errônea de que toda pesquisa é superficial e essencialmente “perda de tempo”.
Se a literatura é “passatempo”, estudar a literatura é “perda de tempo”.
Quando criticamos as leituras de certas pessoas, isso não é porque somos preconceituosos e queremos cagar regras, é acreditarmos que os livros não são todos iguais: alguns entregam mais que outros, e, portanto, certas leituras são mais úteis; e existe, sim, uma graduação dos livros por sua complexidade e que leitores que chegam aos quarenta somente lendo livros simplórios não podem ser considerados tão plenamente desenvolvidos intelectualmente quanto os que leiam outras coisas.
Ofender-se não muda isso. Ofender-se não é um argumento. Ninguém tem o direito de nunca ser ofendido. Se uma tese te ofende, o certo é refletir sobre ela para desacreditá-la, em vez de se isolar em posição fetal reclamando de ter sido ofendido e pedindo que alguém o proteja dessa violação de sua doce ilusão.
A arte é, necessariamente, uma violência contra o senso comum. Tudo aquilo que questione, ofenda e provoque. As pessoas não mudam e nem melhoram quando nós dizemos que elas já são perfeitas e já estão certas. O preço de negar que a leitura é um processo cumulativo, em vez de circular, é dar azo à ideia esdrúxula de que a pesquisa sobre a leitura é uma coisa inútil.