Ah, o velho “abóbora”, nascido em 1982 em São Bernardo do Campo e pintado de verde-claro por fora, forrado de vinil e napa por dentro. O cheiro dos bancos de vinil era inigualável, uma mistura de mofo, pêlo de morcego e perfume entranhado de antigos passageiros. Inesquecível lata-velha com aquele buraco no chão do lado do carona, onde certa vez enfiei o pé durante um exercício romântico. O carro em que era impossível fazer baliza porque só tinha retrovisor de um lado.
Aquele carrinho de merda mal fazia oitenta por hora e já começava a bater lata como uma máquina de lavar roupas dos infernos. Aquelas rodinhas com leque, aquele acelerador que travava embaixo e o freio que já travava em cima. Era uma beleza dirigir em um mundo sem retas, tudo em zigue-zague, por causa da folga na direção, que nenhum mecânico consertava…
Grandes aventuras eu padeci e amei naquele troço feio e maravilhoso. Desde o adesivo “Não é do papai” que eu preguei no vidro traseiro até o excelente rádio que pus no painel. Como era gostoso sair dele com cheiro de gasolina nas noites de sábado e ir às festas encontrar as moças. Elas adoravam, ou sei lá, acho que não.
Lembro da vez em que fui a São João Nepomuceno encontrar uma garota que eu queria namorar. Saí de casa à sete em uma noite de sábado e cheguei lá quase às nove da noite, e eram só 60km de estrada. Uma delícia, um passeio, com o vento nos cabelos! Não, não era um conversível, era por causa das gretas na lataria! De madrugada, voltando para casa depois de uns beijos tímidos, passando pela Serra dos Caramonos, derrapei numa curva em descida onde o chão era cheio de pedregulhos e cascalhos e só não morri porque meu anjo da guarda estava com insônia aquela noite e porque a folga da direção impediu o carro de embicar para a ribanceira.
Foi dentro do velho “abóbora” que eu tive a minha iniciação na vida adulta, graças a ele que quase morri voltando de Juiz de Fora numa noite de inverno, quando, por causa do vento que entrava pelas gretas, as minhas pernas enregelaram de frio e eu perdi o controle dos pedais em uma descida. Meu anjo da guarda merece umas cervejas, cara!
Lembro de como ele voltou da retífica “falando fino”, que beleza! Tenho até hoje saudade dos milhares de reais que gastei, só três meses depois de tê-lo comprado porque o raio do motor bateu.
Domingos eu ia visitar os meus pais na roça, passava o dia conversando com eles, ouvindo rádio e lavando o carro com carinho, sem me preocupar com economia, porque era água da nascente, de graça. De tarde voltava para a cidade com o carro lavado, acelerando pouquinho pelas estradas de terra, para não levantar poeira e chegar no asfalto com o carro ainda bonito. Sempre topava com algum exibido em um carrão, acelerando como um piloto de rali pelas curvas rurais. Ah, que belos palavrões!
Faz muito tempo que vendi o fusquinha. Talvez ele nem exista mais, por acidente ou falta de paciência de seu comprador. Depois dele eu tive outros carros, até um outro Fusca, mas nunca tive de volta as coisas que vivi nele, boas e ruins, saudades e vergonhas.