Às vezes me deparo com a dúvida se o brasileiro não teria um fascínio pela estupidez. Esta tese tem aparecido com frequência nas redes sociais, especialmente desde as eleições. À parte o fato de que é ofensiva, portanto nada construtiva para o trabalho de juntar os cacos do país, eu creio que é uma tese falsa.
O brasileiro valoriza, sim, aquele que tem inteligência, o que não valoriza é a busca de cultura e a educação formal.
Há entre nós um culto à inteligência “inata” e de cunho prático, que se manifesta em “jeitinhos”, “gambiarras”, “malandragens” e soluções para problemas do dia a dia. Viralizou o meme segundo o qual “o brasileiro devia ser estudado”.
Há algumas características desse estudo, porém, que chamam a atenção. Primeiro que a sua manifestação mais frequente é de que o brasileiro deveria ser estudado “pela NASA”, uma entidade estrangeira. Por que não se supõe que nós mesmos não poderíamos? Este já é um sintoma da relação que o imaginário nacional tem com a cultura e o conhecimento.
A inteligência que valorizamos não se manifesta em buscas intelectuais, nem mesmo no estudo da nacionalidade. De fato, o brasileiro se imagina mais facilmente como objeto de estudo estrangeiro do que um estudante do mundo em que está.
Ausente a busca intelectual, a inteligência brasileira adquire um cunho prático e imediato, ao encontrar novos usos para ferramentas e objetos do dia a dia:
É uma inteligência que, conforme a visão antropofágica do nosso modernismo, tem mais facilidade para ressignificar objetos do que para criá-los.
Essa valorização da inteligência prática está em perfeita consonância com o mito fundacional da cultura brasileira, a que um dia chamei de “parábola do sábio louco e do ignorante vigoroso” (para uma versão mais longamente elaborada desse raciocínio, feita a partir do caso do “Menino do Acre”, quem tiver paciência para “textão” leia Ser Gênio em uma Sociedade Ignorante.
Minha tese é de que o brasileiro tradicionalmente crê que o estudo debilita o corpo e leva à loucura da mente, e que também afasta o homem de Deus; enquanto a inteligência “natural”, dada por Deus em vez de desenvolvida na escola, não somente seria a única compatível com a saúde física e mental, mas também mantém o homem perto de Deus e lhe permite enfretar desafios reais, em vez de quixotescos moinhos de vento. O conhecimento “do diabo” é livresco, inútil e causador de cisão entre o homem, sua família e a tradição. O conhecimento “divino” é prático, útil e mantenedor dessas relações.
A expressão mais acabada desta ideologia é a frase, tão comum entre os evangélicos, segundo a qual “Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos”.
Quando você leva isto em consideração e começa a interagir com o povo brasileiro “real”, começa a entender as causas e os desenvolvimentos de várias de nossa mazelas nacionais. Não se pode manter de pé um país onde a maioria da população acredita que o ensino é um gasto, que a vida acadêmica é uma forma de parasitismo e em que o homem do povo admire aqueles que são iguais a si, em vez daqueles que o superam.
Uma sociedade que cultua a ignorância a esse ponto, rapidamente despreza os seus melhores e começa a escolher os ignorantes, por crer que Deus os tornará suficientes.