Letras Elétricas
Textões e ficções. Tretas e caretas. Histórias e tramóias.
by J. G. Gouvêa

Porque a música pop é “ruim”

Publicado em: 28/12/2018

Pela própria definição do termo, a música “pop” tem de ser ruim. Se por algum motivo o pop se torna bom, imediatamente adquire outro rótulo. Adicionado (como os subgêneros do rock) ou em substituição ao anterior, como a “black music” dos anos 1960 e 1970. Em qualquer forma de arte, o “pop” é a lata de lixo da cultura.

Antes que o leitor se apresse a me agredir, esta não é a minha definição.

A crítica musical, incluindo a crítica especializada em música pop, define o gênero em termos que, mesmo quando cunhados com a intenção de neutralidade, pintam um retrato bastante desagradável do gênero:

Vamos tentar traduzir isto em uma definição única e abrangente:

A música pop é definida por negação dos demais gêneros de música popular (entre eles rock, blues, folk, jazz e outros), mas também da música erudita. É um gênero musical criado e produzido com o objetivo central de produzir retorno financeiro e que, para maximizar o seu alcance (e portanto o retorno), evita manifestar características étnicas, culturais ou geográficas que o liguem de maneira muito restrita a determinado local ou população. As canções são breves, de estrutura simples, e abordam temas universais de uma maneira genérica. Não é uma forma de arte ou de expressão cultural ou intelectual, mas o M.D.C. da cultura jovem contemporânea. Apesar de voltada aos jovens, é pesadamente produzida por gente mais velha e, por isso, é conservadora.

Isto não quer dizer que a música pop seja sempre e necessariamente ruim, mas, sim, que ela seja normalmente e por definição, ruim. Haverá, claro, certos artistas da música pop que conseguirão passar uma mensagem pessoal, mas o farão apesar das limitações do gênero.

É importante levar em conta que quando algo busca agradar a todos, o resultado é uma obra grosseira, que não eleva quem está abaixo dela, mas pode rebaixar quem está acima. Sempre que a popularidade do pop entra em discussão, gosto de lembrar de Le Pétomane.

Não é possível confiar no gosto de muita gente porque, como diz o filósofo Falcão, a maior parte das pessoas é apenas a grande maioria. Para a maioria, Le Pétomane é melhor que Stravinsky.

A fim de apelar a todos, é necessário que o pop se torne acessível aos que têm pouca cultura e pouca inteligência. Qualquer característica que seja comum em uma sociedade será explorada pelo pop. Se a música pop de certo país é preconceituosa, é porque a cultura desse país é preconceituosa. Se a música pop transmite valores machistas, é porque ela os recebeu da sociedade e os devolve a ela. A música pop não busca agradar aos mais inteligentes ou mais cultos porque eles são uma minoria. Não dá mais lucro vender para uma minoria.

Le Pétomane era um artista de teatro de variedades que se apresentava na França entre o fim do século XIX e o começo do século XX, o auge da Belle Époque. Vinha gente de toda parte para assistir o seu show. Reis e trabalhadores acorriam ao Moulin Rouge de Paris, que tinha a exclusividade de seu contrato.

Le Pétomane se apresentava como um fartista (uma mistura de “artista” e “farto”, uma palavra obsoleta para “peido”) porque era capaz de peidar musicalmente. Ainda na adolescência, descobrira que conseguia sugar água e ar para dentro do intestino e então controlava a expulsão com os seus esfíncteres anais.

Alguns dos pontos altos de sua apresentação envolviam produzir ruídos de tiros de canhão, trovões e ranger de portas. Ele também tocava O Sole Mio e a Marselhesa em uma ocarina usando um tubo conectado ao seu ânus. Ele conseguia apagar uma vela a metros de distância. Uma parte peculiarmente divertida de seu show envolvia uma sequência de peidos em que “documentava” a evolução de uma mulher, desde “donzela” até “casada e mãe de seis filhos”. Sua plateia incluía o Príncipe Eduardo da Grã Bretanha, o Rei Lepoldo II dos Belgas e Sigmund Freud. Ele foi entusiasticamente aplaudido na mesma semana em que as plateias de Paris vaiaram a Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, e submeteram os músicos que a executavam a ovos e tomates com tal ferocidade que a polícia teve de protegê-los.

Para algumas pessoas, arte é apenas uma questão de gosto, e os peidos de Le Pétomane não ficam a dever em nada às sinfonias de Stravinsky. Você será chamado de “elitista” se não defender esse absurdo. As pessoas se ofendem com a ideia de que peidar não é uma forma de arte tão digna quanto executar uma sinfonia em um instrumento que precisou de anos de estudo para ser aprendido. Somente uma “mente fechada” defende esse “absurdo” de que existem critérios objetivos para determinar as fronteiras da arte.

Todo artista, ao ouvir esse tipo de comentário, deveria peidar na presença dessas pessoas e pedir um aplauso. Não um peido qualquer, ordinário e sem graça, mas um peido formidável, extraordinário, duradouro, de longo alcance, digno de Le Pétomane.


Mas… tu me dirás, há artistas de música pop que são bons. Decerto, assim como nem todos os peidos são do mesmo naipe, nem todos os artistas pop estão em um mesmo nível. Há alguns que conseguem elevar-se acima da nuvem sulfúrea dos palcos populares e aproximam-se da qualidade artística. Estes costumam receber bem depressa um rótulo adicional, como dissemos. São, também, em geral, artistas com uma formação diferente, que chegaram ao pop vindos de outros lugares. Michael Jackson veio da música negra, por exemplo. Ou são artistas que buscaram deliberadamente afastar-se do pop a partir de certo momento. Como os Beatles.

Quando você mistura o pop com alguma coisa, seja o que for, você tem uma versão mais acessível dessa coisa, que não é ainda pop, que ainda tem pontes de retorno a outro lugar. As carreiras dos artistas pop que fazem esse tipo de mistura costumam terminar nesse ponto.

Arquivado em: crítica