Demorei a escrever sobre o assunto para poder refletir com calma e não cair em nenhuma das claques de apupos ou aplausos que se seguiu à atitude do blogueiro Felipe Neto, que adquiriu milhares de exemplares de um livro que alguém pretendia censurar por conter uma cena de beijo entre homens (me recuso a usar o termo beijo gay).
Com a cabeça refrescada eu reposto aqui um comentário feito em uma rede social, esperando que minha argumentação permaneça.
O Brasil está no estágio em que se encontra por falta de leitura, não por falta de comida. Quem sabe se este gesto não eleva simbolicamente o valor do livro e da leitura, fazendo com que nosso povo, alérgico ao saber, resolva, pelo menos, ficar curioso em relação ao que está empacotado em plástico opaco, ou em páginas de texto, tão opacas quanto, por mais que impressas em preto sobre branco?
Filipe Neto cometeu o que antigamente alguns chamavam de “terrorismo poético”, uma medida simbólica de reação ao arbítrio por um meio notoriamente ineficiente para isso, mas que funciona como chamada à reflexão.
O terrorismo poético tem uma séria limitação, porém: somente sensibiliza às pessoas inteligentes. Para quem não está interessado em cultura ou inteligência, os atos simbólicos parecem fúteis.
Pessoas de visão curta acreditam que o mundo é do tamanho de sua ignorância. Além do alcance limitado de sua capacidade de entendê-lo, o que haveria seria somente o deserto e o perigo.
Para essas pessoas, “com tanta gente passando fome”, a Universidade é um luxo. Não conseguem entender que a universidade gera transformações sociais que podem acabar com a fome.
Para essas pessoas, “com tange gente morrendo e sofrendo violência”, defender um beijo gay parece uma vaidade ou, pior, uma indecência. Não conseguem entender que a violência é causada principalmente pela intolerância e pela vontade de poder.
Dar livros talvez não funcione para mudar a mente daqueles que já estão mortos por dentro e votam impelidos pelo desejo de morte que trazem dentro de si. Mas o terrorismo poético não busca salvar a todos, ele busca semear em alguns, para que eles frutifiquem e futuramente semeiem em outros.
Não há solução rápida para a desgraça profunda em que nos atiramos. Todos os grandes problemas têm soluções grandiosas, violentas, superficiais e fáceis de reverter. As soluções verdadeiras vêm de gestos pequenos, calculados, profundos e irreversíveis a longo prazo.
Se ainda há salvação para o Brasil, ela não virá agora nem amanhã. Virá daqui a quarenta anos. Não há salvação para o Brasil enquanto estiver vive esta geração imbecil que se deu por missão atacar o progresso. Eles não entrarão na terra prometida, se ainda houver alguma promessa possível de cumprir. Talvez por saberem disso é que eles se esforçam para garantir que não haja leite e mel para ninguém mais.