As ideias de Marx “deram certo” em todo lugar, mas isso não significa o que você está pensando. Marx tinha, certamente, sua ação política e seus objetivos, mas ele era primariamente um economista e um filósofo. Sua ação política derivava de sua compreensão da economia, da história e da filosofia. Ele não foi um político que teve ideias, mas um pensador que tentou ter ação.
Enquanto pensador, Marx fundou uma tradição de interpretação da história humana que ainda é muito relevante mais de 150 anos depois. Enquanto economista ele realizou uma interpretação do capitalismo que foi suficientemente precisa para ser copiada por gerações e gerações. Estes aspectos de sua obra são duradouros.
A ação política, no entanto, é sempre algo datado porque uma ação política é sempre reação a um estado de coisas. Mude as circunstâncias e a mesma ação se torna inefetiva ou até prejudicial. Não há um remédio que cure todas as doenças e cada época da história tem “doenças” diferentes. Imaginar que as respostas para os problemas políticos e econômicos de hoje pode ser encontrada diretamente nas obras de Marx viola o princípio número um de sua filosofia que é o materialismo.
O materialismo exclui a possibilidade de ações serem praticadas por agentes imateriais porque, obviamente, agentes imateriais não existem. Se você imagina que as respostas para os problemas do mundo estão em um livro antigo, tanto faz se esse livro foi escrito há 150, 1500 ou 2500 anos (atenção ao que fiz aqui). Aqueles que procuram respostas diretamente em Marx não são fieis ao marxismo, são apologetas, são “crentes”. É hipócrita criticar alguém que crê na “mão invisível” do mercado, comparando tal crença à dos planos misteriosos de Deus, mas ainda acreditar que o velho Barba é um oráculo.
O marxismo é uma tradição que deriva de Marx, mas que não o segue fielmente. O cristianismo é uma tradição que deriva de Cristo, mas não o segue fielmente. A diferença entre os dois é que o cristianismo, por ser uma religião, imagina segui-lo fielmente, tanto que existe uma vertente “fundamentalista”. O marxismo, se busca fidelidade a Marx, tal como o cristão imagina ser fiel a Cristo, se torna uma religião como qualquer outra cujos crentes apenas recitam uma shahadda diferente: “Não há deus senão a dialética da luta de classes e Karl Marx é seu profeta”.
As ideias de Marx “deram certo” justamente porque frutificaram e deram origem a diversas interpretações, algumas delas até mutuamente opostas. As boas ideias sempre são sementes, que geram plantas que criam outras sementes e assim se espalham. Não são cadáveres, que embalsamamos e tentamos preservar. O marxismo não é uma mastaba com um faraó mumificado dentro, ele é um prado que nasceu de um canteiro original pequenino. As ideias que dele nasceram não são como as sementes que foram postas na terra para germinar.
Marx deu um peteleco nas ciências humanas, possibilitando que rompessem com o dogmatismo e o pensamento religioso. Se ele foi superado, aqueles que o superaram devem ter por ele o respeito que Newton tinha por todos os filósofos obsoletos do passado, que ele estudara e a partir de quem construíra suas ideias: Newton estava de pé sobre os ombros de Galileu, Kepler, Copérnico, Aristóteles, Eratóstenes, Sosígenes, Ptolomeu, Francis Bacon, Tycho Brahe, Al-Kwarezmi, Pitágoras…
Karl Marx é um dos gigantes sobre os quais estão de pé todos os cientistas sociais de hoje. O fato de ele ter sido superado não significa que ele falhou, significa exatamente que sua filosofia era frutífera.